Gil Campos
“Quando Johnrocco Sibilia finalmente quebrou o silêncio de 29 anos sobre o padre que ele diz que o abusou na adolescência, ele disse que esperava aliviar sua dor e extinguir os demônios que o torturavam por anos”. Assim começa a reportagem publicada no último dia 6 de abril no NorthJersey.com, um site de notícias americano, e que atinge a Igreja Católica em Guarulhos.
Nela, Sibilia revela ter sido abusado na adolescência quando era coroinha, ministro da eucaristia e membro do coro da Igreja da Imaculada Conceição, na Arquidiocese de Newark, estado de Nova Jérsei, nos EUA. E segundo a reportagem, o suposto abusador é o padre René Cavalcanti de Lima, de 74 anos, atual vigário da Paróquia Santo Antonio de Pádua, na Vila Augusta.
A Diocese de Guarulhos já tem conhecimento do caso, mas não oficialmente. “Essa situação ao que parece já está sendo investigada pela Arquidiocese de Newark. Prefiro não dizer nada a respeito, até porque não recebemos nada oficialmente”, disse o bispo de Guarulhos, dom Edmilson Amador Caetano.
Ele confirmou que conversou com padre René a respeito da acusação. “Conversamos e ele negou. Mas foi uma conversa informal. Ele continua exercendo normalmente o seu sacerdócio. Repito que não há nenhuma investigação aqui na Diocese. Se existe uma denúncia é lá (nos EUA). E nesta época, ao que consta, padre René não estava na Diocese, estava na Ordem Vocacionistas”, observou o bispo.
Dom Edmilson se refere à Sociedade das Vocações Divinas, também conhecida como Pais Vocacionistas, uma congregação católica romana de padres fundada pelo reverendo Justin Russolilo, em 1920, da qual padre René fazia parte na época em que conheceu o então adolescente Johnrocco Sibilia.
Segundo a reportagem, o caso denunciado pelo ex-coroinha teria ocorrido no início dos anos 1990. Consta no site da Diocese de Guarulhos que René foi ordenado padre no dia 7 de outubro de 1973.
Bispo diz que não há risco
Dom Edmilson também defendeu a conduta do sacerdote acusado. “Na reportagem dos Estados Unidos diz que padre René é uma ameaça contra as crianças de Guarulhos. Mas ele é um homem de 74 anos e que está se recuperando de um câncer de próstata. Que risco ele pode ser para as crianças de Guarulhos?”, perguntou.
E completou: “nós temos leis muito rígidas na Igreja. E as investigações não são públicas. Mas neste caso, não existe denúncia formal”.
A reportagem ligou para a Paróquia Santo Antonio de Pádua, mas foi informada que padre René não poderia falar a respeito.
Sob a condição do anonimato, um religioso revelou que, em 2009, a Diocese de Guarulhos instaurou um procedimento interno para apurar denúncia de um suposto relacionamento do padre René com um coroinha da Igreja Nossa Senhora Aparecida, do Cocaia, onde ele, na época, era pároco. Os pais do jovem e funcionários da igreja foram ouvidos na Diocese, mas o caso acabou sendo arquivado.
Vítima fala de trauma
A denúncia de Johnrocco Sibilia já foi comunicada ao departamento de polícia de Newark e o próprio porta-voz da Arquidiocese daquela cidade, James Goodness, enviou carta à redação do NorthJersey.com informando que “os Vocacionistas seriam responsáveis por investigar o assunto e tomarem qualquer providência sob as leis igreja”.
Comunicou ainda que o padre René Lima deixou a ordem há 20 anos e regressou ao Brasil “onde ele é agora padre da Diocese de Guarulhos”. “Nós estamos no processo de notificar o bispo dessa diocese da existência da alegação”, concluiu.
Por enquanto, mais aliviado, Sibilia ainda convive com os fantasmas do passado. Ele contou que em dezembro do ano passado, encontrou uma foto do seu suposto abusador “com seu braço ao redor de um adolescente em um evento de Natal, postado na página do Facebook da (Paróquia) Santo Antonio, da Vila Augusta, e ficou perturbado ao vê-la”.
Família ficou chocada
Sibilia cresceu em uma família italiana de católicos e na Igreja da Imaculada Conceição. O clérigo estava frequentemente doente e padres de outras igrejas vinham sempre substituí-lo. Entre eles, estava padre René, segundo detalha a reportagem.
Os dois se envolveram e o adolescente teria sido convidado para um tour por uma “casa espiritual” em Florhan Park. “Sibilia estava entusiasmado com a atenção especial do jovem padre”, diz a matéria no NorthJersey.com.
Então, teve início um relacionamento com conversas amigáveis e visitas para jantares em família na casa do jovem, “mas eventualmente, incluiu molestação e sexo oral na igreja, no quarto de Lima e em uma viagem a Florida paga pelo padre”.
A reportagem diz que o garoto passou a sentir desconfortável. “Quando tinha 14 anos, finalmente criou coragem para terminar”. A irmã mais velha de Silibia, Mary Marrero, lembra de gostar do padre. “Ele vinha em casa inúmeras vezes. Conheceu a família, deu ao meu avô a comunhão e veio aos nossos jantares”. Ela disse que ficou chocada quando descobriu a verdade no último verão.
Hoje, Sibilia continua devoto, reza todos os dias e está casado há nove anos. A mulher já sabia do passado do marido há uma década, mas esperou ele tomar a decisão e revelar o segredo, o que significou tirar um peso dos ombros.
Lembrou que ao procurar a Arquidiocese de Newark, “foi jogado em um labirinto de frustrações que o deixaram ponderando se havia cometido um erro ao abrir o seu passado”. Mas resolveu seguir em frente.