Agência Estado
Ouvido no processo que terminou com o decreto de perda da função pública do prefeito de Campinas Jonas Donizette (PSB), um comissionado de seu governo declarou ao Ministério Público de São Paulo que faltou um dia de trabalho para ir ao Rio por ‘emergência de família’. Segundo José Alaor Viola, assistente técnico da Secretaria de Administração, uma sobrinha que mora no Rio havia passado mal após comer um camarão, e ele decidiu pegar ‘um avião, às pressas, para socorrê-la’.
“A sobrinha, pelo que explicou, adulta e casada, tinha comido um camarão que não lhe caiu bem e, por isso, vomitava”, relatou Viola, segundo registro do Ministério Público. “Questionado se ela (sobrinha) chegou a ficar hospitalizada, disse que não, pois a sopa que ele lhe teria feito, de noite, foi suficiente para resolver o problema.”
A Promotoria identificou que Viola publicou em sua rede social, em 22 de abril de 2015, às 17h04, uma foto em que aparecia passeando na Praia do Arpoador, no Rio. Segundo a investigação, o comissionado ‘confirmou que estava mesmo passeando no Rio de Janeiro sem avisar seus superiores hierárquicos, em dia normal de trabalho’.
Atitude suspeita
“Perguntado da razão de apenas o marido da sobrinha não tê-la socorrido, disse que ficou desesperado porque recebeu uma ligação do porteiro do prédio de que a sobrinha não passava bem e, como a sobrinha tem uma filha ainda criança, ficou com medo que o porteiro a levasse, com ele, para a Rocinha, onde ele mora. Por isso, resolveu ir ao Rio de Janeiro às pressas”, relatou ao Ministério Público à Justiça.
“No final, resolvido o incidente, achou que não teria qualquer problema se ‘emendasse’ o feriado do dia 21 de abril, pois depois poderia compensar com suas férias. Após esta narrativa, concluiu: ‘cometi um erro gravíssimo em postar no Facebook’.”
Os investigadores ainda anotaram. “Por todos os ângulos que se procure, nesta declaração, alguma lógica ou algum resíduo de vergonha, não vai ser encontrado. José Alaor Viola é um produto caricato do clientelismo, na sua manifestação mais sórdida”, afirmaram.
O servidor, de acordo com o Ministério Público compõe o PSB há 22 anos e já foi candidato a vereador. Sua função na Prefeitura é fazer ‘levantamento dos imóveis e terrenos que serão objeto de alguma obra pública decorrente de contrato ou convênio com Estado ou União para saber das suas condições sob o ponto de vista estrutural’.
Entenda o caso
Jonas Donizette foi alvo de ação civil por improbidade, ajuizada pelo Ministério Público do Estado. O processo apontou a ‘existência de cargos em comissão que contrariam às Constituições Federal e Estadual, violando os princípios do concurso público, da impessoalidade, da eficiência e da moralidade’.
A Promotoria apontou que Campinas tinha ‘um quadro exorbitante de cargos comissionados, muito superior ao de diversos países’.
De acordo com a ação, a cidade tinha 846 cargos em comissão e mais 985 funções comissionadas, ‘um montante exorbitante de 1 851 cargos de chefia, direção ou de assessoramento’.
Em 1ª instância, a Justiça condenou Jonas ‘ao pagamento de multa civil equivalente a dez vezes o valor da remuneração por ele percebida na data da sentença’.
Em seu voto, a desembargadora Silvia Meirelles, da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado, reformou a sentença, ampliando a multa e decretando a perda da função pública de Donizette.
“Restou comprovado o cometimento de ato ímprobo pelo réu Jonas Donizette, uma vez que este, reiteradamente, nomeou livremente pessoas despreparadas para o exercício de funções meramente burocráticas, sob o argumento de que se tratavam de cargos comissionados”, afirmou.
“Note-se que a prova testemunhal é farta no sentido de demonstrar que as indicações para os cargos comissionados ocorriam sem quaisquer critérios técnicos e para o fim de satisfazer o interesse público, mas, ao revés, o eram tão somente para atender aos interesses pessoais de apaniguados políticos, favorecendo pessoas determinadas.”
Segundo Silvia, o prefeito usou o ‘quadro funcional da Administração Pública Municipal como um verdadeiro ‘cabide de empregos’, concedendo benesses a seus apaniguados políticos e a seus amigos’.
A magistrada apontou ‘um nefasto clientelismo operado pelo réu Jonas Donizette, o qual sem qualquer pudor, reiteradamente, nomeou os seus apaniguados para cargos públicos que claramente não poderiam ser preenchidos por mera nomeação’.
A desembargadora afirmou, em seu voto, que houve ‘dolo de agir’ por parte de Jonas Donizette.
“Note-se que no Brasil, infelizmente, impera a oligarquia e o favoritismo, sendo o brasileiro ainda um “homem cordial”, conforme ensina o sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda, em seu Livro “Raízes do Brasil” (aquele que age para favorecer apaniguados, pensando no interesse privado e não no público)”, registrou.
“Impera o patrimonialismo, o qual consiste no apoderamento da máquina pública pelo particular, entrelaçamento do setor público com o privado, sendo bem explicado este fenômeno no cenário brasileiro por Raymundo Faoro, no seu livro ‘Os donos do poder’ “
Na quinta, 6, a Prefeitura de Campinas informou que Jonas Donizette vai recorrer do acórdão do Tribunal de Justiça que o tira do cargo.
“A Prefeitura de Campinas vai recorrer da decisão em instâncias superiores, lembrando que o prefeito Jonas Donizette, após orientação da Procuradoria de Justiça, foi quem teve a iniciativa de criar uma lei que limitou em 4% o número de servidores comissionados em relação ao total de servidores na Administração Municipal. Hoje, o número de servidores comissionados está em torno de 3% do total.”