Campineiros sofrem com precarização da Polícia Civil

Luiz Granzotto

Wellington Alves

Com 1.173.370 de habitantes, a cidade de Campinas é a terceira maior do Estado de São Paulo, atrás apenas da Capital e de Guarulhos. Se o município se destaca pela economia, universidades e até pelo futebol, uma mancha negativa é a violência. A Polícia Civil, que tem a responsabilidade de investigar os crimes, não tem a estrutura necessária para o serviço.  Os campineiros sentem-se inseguros.

O Atlas da Violência de 2018, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou Campinas como a 63ª cidade com mais assassinatos no país. Com base em dados de 2016, o município teve taxa de 16,1 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Neste ano, segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública, houve aumento de 20% nos assassinatos no município. Entre janeiro e abril foram 48 vítimas de homicídio doloso, com intenção de matar. No ano passado, no mesmo período, foram 40 ocorrências.

Enquanto a criminalidade cresce, a sociedade civil organizada mostra preocupação. No dia 28 de maio, o Conselho de Segurança (Conseg) de Campinas fez reunião concorrida, com a presença de delegados e promotores, para debater o problema. Houve reclamações sobre o déficit de funcionários, salários baixos e a falta de coletes balísticos.

Além das mortes, outros crimes também atormentam os campineiros. Ainda segundo a SSP, ocorreram 1.043 casos de lesão corporal dolosa na cidade nos primeiros quatro meses do ano, número pouco inferior aos 1.198 do mesmo período de 2018. Os roubos tiveram estabilidade nas épocas avaliadas: 2.236, em 2019, ante 2.255 no ano passado.

Ministério Público processa Estado por defasagem da polícia

Os promotores públicos de patrimônio, criminais e da Vara da Infância se uniram em uma ação contra o Governo do Estado de São Paulo pela precarização da Polícia Civil em Campinas. O processo cobra que o governo estadual traga servidores para trabalhar na cidade e está em conclusão para a sentença, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo.

A promotora Cristiane Hillal liderou a mobilização do Ministério Público e teve a adesão de 19 colegas. O feito é significativo, já que, em geral, os promotores atuam sozinhos ou em duplas. Reunir tantos promotores sinaliza a insatisfação do MP pelo descaso nas delegacias de Campinas.

Após ouvir todos os delegados que atuam na cidade, o Ministério Público descobriu que faltam, nas delegacias, 17 delegados, 50 escrivães, 91 investigadores, 30 agentes policiais, quatro carcereiros, 12 agentes de telecomunicações, três auxiliares de papiloscopistas e um papiloscopista. Sem estes profissionais, a investigação dos crimes é comprometida. “As pessoas não acreditam que se levarem um crime para a Polícia Civil, ela terá condições de investigar”, disse.

“As pessoas não acreditam que se levarem um crime para a Polícia Civil, ela terá condições de investigar”

Cristiane Hillal, promotora

Em geral, a Polícia Civil em Campinas registra apenas os flagrantes da Polícia Militar e faz os processos administrativos quando as vítimas trazem os casos já destrinchados.  “Há uma sensação de impunidade e que o Estado não tem capacidade de fazer justiça formal”, aponta Cristiane.

Recentemente, o Estado colocou as Delegacias da Mulher para funcionarem ininterruptamente em Campinas. A medida, que favoreceria as vítimas agredidas à noite e nos finais de semana, se mostrou ineficiente. Não foi contratado nenhum servidor a mais para o serviço. Apenas deixaram os policiais mais sobrecarregados.

TCE aponta falta de estrutura nas delegacias

A situação degradante da Polícia Civil não é uma exclusividade de Campinas. Em 30 de abril, uma fiscalização ordenada do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo destrinchou diversas falhas na estrutura em todo o território paulista. Foram 275 delegacias fiscalizadas em 225 municípios.


88%
do armamento
apresenta defeitos
ou riscos


O resultado deixou os conselheiros perplexos: 88% do armamento utilizado por policiais apresenta defeitos ou riscos; 61% das delegacias têm prédios com problemas estruturais; 82% dos imóveis não possuem Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e 94% têm população carcerária acima da capacidade.

Uma das delegacias fiscalizadas foi o 13º Distrito Policial (DP) de Campinas, em Cambuí. Os agentes de fiscalização constataram que não existe preocupação com as pessoas com deficiência, pois falta demarcação de vaga para veículos, banheiros e acessibilidade no imóvel. Os banheiros, aliás, não apresentaram boas condições de limpeza.

No local não há delegado plantonista. No momento da fiscalização estava apenas um agente policial, três escrivães e cinco investigadores. Faltam agentes de telecomunicações, papiloscopistas e auxiliares na unidade. As viaturas mais velhas não possuem revisão periódica e as justificativas para uso das mesmas são genéricas.

O TCE também apurou que no 13º DP não há uso integrado do sistema de comunicações entre as policias Civil e Militar. Faltam ainda gerador de energia, almoxarifado e controle formal de entrada e saída de materiais.

Um servidor da unidade contou ao TCE que se sente desmotivado. O prédio não possui AVCB e tem fios e pisos soltos, além de infiltrações nas paredes, armários quebrados e paredes descascando. Os policiais não têm acesso a aulas práticas para aprimoramento de atividades profissionais.

Delegada reconhece falta de condições de investigar

O Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindpesp) culpa o descaso do governo estadual pela crise na Polícia Civil em Campinas. Segundo estudo da entidade, faltam 68 funcionários na 1ª Delegacia Seccional e 153 na 2ª Delegacia Seccional, que incluem municípios vizinhos.

A delegada Raquel Gallinati, presidente do Sindipesp, afirma que os policiais estão saturados de terem de trabalhar sem condições. “O policial fica 24 horas de sobreaviso, sem condição de ter vida pessoal e social, além de sofrer com a saúde física e mental comprometida”, alertou.

A ocorrência de suicídios de policiais, inclusive em Campinas, tem preocupado Raquel. Ela acredita que a sociedade civil organizada precisa cobrar o Estado para uma reformulação na segurança pública, para que a sensação de insegurança deixe de ser permanente. “Hoje uma pessoa que nunca foi vítima de crime é considerada uma privilegiada. Isso deveria ser uma regra, não uma exceção.”

Outro lado

Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública afirmou que investe permanentemente em tecnologia, equipamentos e policiamento para combater a criminalidade e aumentar a sensação de segurança da população no Estado.

“O trabalho realizado pelas três polícias na região de Campinas resultou em 1.260 prisões em abril de 2019 – o número é o maior da série histórica iniciada em 2001. No mesmo período, 112 armas de fogos foram retiradas das ruas. A atual gestão reafirma seu compromisso de reajustar os salários dos policiais paulistas e está em tratativas para isso. Neste ano, foram pagos mais de R$ 232 milhões a 143.521 policiais no programa de bônus”, informa a SSP.

A secretaria explicou que “o Departamento de Administração e Planejamento (DAP) da Polícia Civil já iniciou um programa para reformas e modernização dos distritos policiais e estão em curso licitações para a compra de 8.239 coletes balísticos, 3.740 pistolas semiautomáticas e 580 carabinas. Mil coletes balísticos, fruto de uma parceria com o Senasp, serão distribuídos aos policiais civis. Para reforçar o efetivo, o governador João Doria autorizou nesta terça-feira, 4, a abertura de concursos para 2.750 vagas na Polícia Civil e 189 de médicos legistas. Outros concursos serão abertos conforme a disponibilidade de recursos. O objetivo é realizar concursos anuais para todas as polícias”.

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