Guarulhos despeja 90% do esgoto, sem tratamento, no Rio Tietê

Ivanildo Porto

Wellington Alves

Há 27 anos, o Governo de São Paulo injeta dinheiro para despoluir o rio Tietê. Neste período, passaram sete governadores, além de milhares de prefeitos nas diversas cidades paulistas. Ao todo, a Sabesp injetou R$ 11,5 bilhões e, ainda hoje, existem mais de 100 quilômetros de sujeira no rio, incluindo todo o trecho da capital paulista. E não há perspectiva de quando o Tietê voltará às suas origens.

A cidade de Guarulhos, por sua vez, tem grande responsabilidade por essa sujeira. De acordo com o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), 90% do esgoto na cidade não é tratado. Os dejetos vão direto para o rio Tietê.

O então governador Luiz Antônio Fleury Filho, que deu início às obras do Projeto Tietê, em 1992, afirmou que o rio estaria completamente limpo até 2005. A última promessa foi de Geraldo Alckmin que disse, em 2014, que o Tietê estaria despoluído neste ano. Obviamente, ambos erraram. O atual chefe do executivo estadual, João Doria, sequer faz uma projeção neste sentido, mas indica a intenção de privatizar o tratamento de esgoto.

Para especialistas, houve avanços significativos no Tietê, porém, o objetivo de tornar o rio limpo e navegável se torna impossível pela falta de investimento das prefeituras: construções inadequadas, falta de tratamento de esgoto e ausência de acordos políticos impedem o êxito da empreitada e deixam a sensação que o dinheiro do contribuinte está sendo jogado no lixo.

Como o Tietê ficou sujo

Principal rio paulistano, o Tietê possui 1.150 km de extensão. Nasce em Salesópolis e vai até a divisa com o Mato Grosso, quando chega ao rio Paraná. Até o início do século 20, o Tietê era limpo, navegável e local de lazer para os paulistas, que não precisavam se deslocar até o litoral para se refrescar. Entretanto, a industrialização trouxe danos irreparáveis.

Em 1930, o rio Tietê passou a receber dejetos de residências e indústrias. A situação piorou em 1955, quando o ex-governador Ademar de Barros interligou os sistemas de esgotos em São Paulo e definiu que a sujeira iria desembocar no rio. O adensamento populacional na Região Metropolitana de São Paulo nas décadas de 1970, 1980 e 1990 também atrapalhou.

Insatisfeita com o descaso das autoridades com o rio, que exalava cheio tão ruim que deixava muitos com dor de cabeça, a ONG SOS Mata Atlântica fez um abaixo-assinado para cobrar medidas do poder público. Teve adesão de 1,2 milhão de pessoas, no início da década de 1990. Para responder à sociedade, Fleury iniciou o Projeto Tietê em 1992 com a promessa de limpar o rio. 

Projeto Tietê reduziu 400 km da mancha de poluição

Com o projeto Observando os Rios, a SOS Mata Atlântica monitora aquíferos em todo o país. No caso do Tietê, a mancha de poluição era de 530 km – chegava a Barra Bonita – quando as intervenções do governo estadual começaram. Após quase três décadas, o rio está morto em 122 km, no trecho entre Itaquaquecetuba e Cabreúva. Em 2014, o rio alcançou o menor índice de poluição – 72 km -, mas o governo estadual alega que isso não foi natural e aconteceu pela baixa quantidade de chuvas naquele ano.

Durante a campanha eleitoral, no ano passado, o governador João Doria prometeu despoluir os rios Tietê e Pinheiros por intermédio de parcerias com a iniciativa privada. Ele afirmou que, neste ano, poderia iniciar o projeto que limparia os rios e garantia a exploração dos rios para transporte de cargas e turismo. Até o momento, contudo, nenhuma iniciativa foi confirmada.

Em nota, a Sabesp afirmou que trabalha fortemente com um plano de investimentos que visa a implantação progressiva da infraestrutura necessária de esgotamento sanitário para a Região Metropolitana de São Paulo. “São analisados vários tipos de ações, inclusive com parcerias com empresas privadas”, informou a companhia.

A primeira etapa do Projeto Tietê aconteceu entre 1992 e 1998, com investimento de 1,1 bilhão de dólares. Entre as principais ações, houve a construção das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) ABC, Parque Novo Mundo e São Miguel, além da ampliação da ETE Barueri. A segunda fase, orçada em 500 milhões de dólares, entre 2000 e 2008, teve foco em fazer 290 mil ligações entre residências e as ETEs.

A terceira etapa, que deveria ter sido concluída em 2015, foi orçada em 1 bilhão de dólares, com o objetivo de tratar o esgoto de 3 milhões de pessoas. Por enquanto, o Estado realizou 70% das obras.

Em Guarulhos, o Saae construiu as ETEs São João, Bonsucesso e Várzea do Palácio, que teriam capacidade de tratar metade do esgoto da cidade. Entretanto, houve pouquíssimo  investimento nas ligações entre as residências e as ETEs.

Ivanildo Porto

Especialistas culpam prefeituras pelo descaso

O rio Tietê nunca ficará limpo sem a coleta de esgoto na Região Metropolitana de São Paulo. Essa afirmação é do professor José Carlos Mierzwa, da Universidade de São Paulo, que atua na área de projetos de sistemas de tratamento de água. Ele culpa as prefeituras pelo despejo de resíduos nos rios paulistas.

“As prefeituras deixam as comunidades se instalarem em locais inadequados. Também mudam as leis de uso e ocupação de solo, de forma rápida, para expansão imobiliária. Muitas redes de esgoto construídas na década de 1990 já estão saturadas”, aponta o especialista.

Em geral, as cidades facilitam a construção de condomínios residenciais e a implantação de indústrias. Contudo, sem garantir o tratamento do esgoto para essas construções – e as já existentes – é impossível garantir que o Tietê volte a ser limpo e navegável.

Na opinião de Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, a Região Metropolitana de São Paulo é a mais complexa do projeto Tietê. Somente na capital paulista, são 1,7 mil rios e córregos, sendo a maioria concentrados nas zonas Sul e Norte. Se considerar o Alto Tietê, o número sobe para 7 mil. “É preciso despoluir todos os rios que desembocam no Tietê para garantir que ele fique limpo mesmo”, explica.

Quando era governador, José Serra culpava a cidade de Guarulhos pela poluição do rio Tietê. Veronesi considera a crítica injusta, já que outros municípios também contribuíam com a sujeira. Mas admite que as grandes cidades são as mais complexas.

Outro lado

De acordo com a Sabesp, o Projeto Tietê é o maior programa de saneamento do Brasil. Executado desde 1992, realiza investimentos em obras de coleta e tratamento de esgoto na Grande São Paulo. Nesse período, aumentou a coleta de esgoto de 70% para 87%, e o tratamento de esgoto de 24% para 70%.

Já o Saae Guarulhos ponderou que o governo Guti, que assumiu a Prefeitura em janeiro de 2017, conseguiu elevar o percentual de tratamento para cerca de 10% apenas com recursos próprios. Em 2016, de acordo com o Instituto Trata Brasil, esse índice era inferior a 3%.

“É necessário salientar que a gestão passada se preocupou apenas em construir as estações de tratamento de esgoto (ETEs), sem investir nos coletores-tronco que levam o esgoto às ETEs, o que inviabilizou um percentual maior de tratamento. Após assumir a Prefeitura, o governo Guti, ainda que com poucos recursos, investiu em interligações da rede coletora que permitiram que mais esgoto chegasse às ETEs, consequentemente aumentando o percentual de tratamento”, informa o Saae.

Em maio de 2018, a atual administração firmou um novo Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Estado, que prevê que 100% do esgoto produzido em Guarulhos seja tratado até 1º de janeiro de 2026. O TAC anterior, assinado entre 2006 e 2009 pelos ex-prefeitos Elói Pietá e Sebastião Almeida, ambos do PT, previa 80% de tratamento até o final de 2017, mas ficou longe de ser cumprido.

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