SP gasta R$ 11,5 bilhões e não consegue limpar o rio Tietê

Ivanildo Porto

Wellington Alves

Há 27 anos, o Governo de São Paulo injeta dinheiro para despoluir o rio Tietê. Neste período, passaram sete governadores, além de milhares de prefeitos nas diversas cidades paulistas. Ao todo, a Sabesp injetou R$ 11,5 bilhões e, ainda hoje, existem mais de 100 quilômetros de sujeira no rio, incluindo todo o trecho na capital paulista. E não há perspectiva de quando o Tietê voltará às suas origens.

O então governador Luiz Antônio Fleury Filho, que deu início às obras do Projeto Tietê, em 1992, afirmou que o rio estaria completamente limpo até 2005. A última promessa foi de Geraldo Alckmin que disse, em 2015, que o Tietê estaria despoluído neste ano. Obviamente, ambos erraram. O atual chefe do executivo estadual, João Doria, sequer faz uma projeção neste sentido, mas indica a intenção de privatizar o tratamento de esgoto.

“Em 1995, beberei um copo d’água do Tietê”,
Luiz Antônio Fleury Filho
(Divulgação)

Para especialistas, houve avanços significativos no Tietê, porém, o objetivo de tornar o rio limpo e navegável se torna impossível pela falta de investimento das prefeituras: construções inadequadas, falta de tratamento de esgoto e ausência de acordos políticos impedem o êxito da empreitada e deixam a sensação de que o dinheiro do contribuinte está sendo jogado no lixo.

Como o Tietê ficou sujo

Principal rio paulistano, o Tietê possui 1.150 km de extensão. Nasce em Salesópolis e vai até a divisa com o Mato Grosso, quando chega ao rio Paraná. Até o início do século 20, o Tietê era limpo, navegável e local preferido de lazer para os paulistanos, que não precisavam se deslocar até o litoral para se refrescar. Entretanto, a industrialização trouxe danos irreparáveis.

Em 1930, o rio Tietê passou a receber dejetos de residências e indústrias. A situação piorou em 1955, quando o ex-governador Ademar de Barros interligou os sistemas de esgotos em São Paulo e definiu que a sujeira iria desembocar no rio. O adensamento populacional na Região Metropolitana de São Paulo nas décadas de 1970, 1980 e 1990 também foi vilão.

Insatisfeita com o descaso das autoridades com o rio, que exalava cheio tão ruim que deixava muitos com dor de cabeça, a ONG SOS Mata Atlântica fez um abaixo-assinado para cobrar medidas do poder público. Teve adesão de 1,2 milhão de pessoas, no início da década de 1990. Para responder à sociedade, Fleury iniciou o Projeto Tietê em 1992 com a promessa de limpar o rio. 

Cidades paulistas poluidoras

MunicípioÍndice de esgoto sem tratamento nos rios
Guarulhos97,88%
Bauru96,56%
Itaquaquecetuba92,65%
Diadema78,02%
Osasco75,01%
São Bernardo do Campo72,66%
Carapicuíba71,95%
Taboão da Serra69,43%
Santo André57,76%
Suzano45,98%
São Paulo38,04%
Guarujá36,23%
Praia Grande34,09%
São Vicente33,28%
Mauá32,55%
Campinas32,02%
Mogi das Cruzes29,91%
Sorocaba23,05%
São José do Rio Preto12,43%
Ribeirão Preto10,77%
Taubaté8,89%
São José dos Campos7,8%
Santos2,37%
Franca1,7%

Fonte: Instituto Trata Brasil 2018

Projeto Tietê reduziu 400 km da mancha de poluição

Com o projeto Observando os Rios, a SOS Mata Atlântica monitora aquíferos em todo o país. No caso do Tietê, a mancha de poluição era de 530 km – chegava a Barra Bonita – quando as intervenções do governo estadual começaram. Após quase três décadas, o rio está morto em 122 km, no trecho entre Itaquaquecetuba e Cabreúva. Em 2014, o rio alcançou o menor índice de poluição – 72 km -, mas o governo estadual alega que isso não foi natural e aconteceu pela baixa quantidade de chuvas naquele ano.

Ivanildo Porto

Durante a campanha eleitoral, no ano passado, o governador João Doria prometeu despoluir os rios Tietê e Pinheiros por intermédio de parcerias com a iniciativa privada. Ele afirmou que, neste ano, poderia iniciar o projeto que limparia os rios e garantiria a exploração dos rios para transporte de cargas e turismo. Até o momento, contudo, nenhuma iniciativa foi confirmada.

Em nota, a Sabesp afirmou que trabalha fortemente com um plano de investimentos que visa a implantação progressiva da infraestrutura necessária de esgotamento sanitário para a Região Metropolitana de São Paulo. “São analisados vários tipos de ações, inclusive com parcerias com empresas privadas”, informou a companhia.

Ivanildo Porto

Artista retrata o Tietê há décadas

Se para muitos o rio Tietê é um dos locais mais feios de São Paulo, essa não é a impressão do pintor Edu das Águas. Há décadas ele faz imagens do rio, em diferentes municípios, e até já utilizou a arte para promover várias oficinas de educação ambiental com estudantes. “Resolvi ver beleza onde só tem sujeira”, conta.

De acordo com Edu, há cenários bonitos no Tietê, como as árvores, flores, pontes e o cair da tarde. O pintor, de 80 anos, focou sua carreira na pintura de águas e navios, com passagens também no rio Jordão, em Israel.

Retratar o Tietê não foi uma tarefa fácil, mas Edu foi persistente. O cheiro ruim era incômodo, mas depois ele se acostumou. Depois, começou a levar lanche para os moradores de rua nos arredores do rio, para que o deixassem “tranquilo”. Ele conta que, uma vez, caiu no rio quando estava em um bote. Foi salvo pelos bombeiros.  

Para o artista, sua obra busca valorizar o principal rio paulistano e alertar a sociedade a buscar mecanismos para que ele volte a ser navegável. “Tenho esperança que o rio Tietê seja recuperado, mas só meus bisnetos poderão ver isso”, avalia.

O próximo desafio de Edu das Águas é registrar o rio Pinheiros. Ele tenta uma parceria com a Sabesp para viabilizar o projeto.

Especialistas culpam prefeituras pelo descaso

O rio Tietê nunca ficará limpo sem a coleta de esgoto na Região Metropolitana de São Paulo. Essa afirmação é do professor José Carlos Mierzwa, da Universidade de São Paulo, que atua na área de projetos de sistemas de tratamento de água. Ele culpa as prefeituras pelo despejo de resíduos nos rios paulistas.

“As prefeituras deixam as comunidades se instalarem em locais inadequados. Também mudam as leis de uso e ocupação de solo, de forma rápida, para expansão imobiliária. Muitas redes de esgoto construídas na década de 1990 já estão saturadas”, aponta o especialista.

Em geral, as cidades facilitam a construção de condomínios residenciais e a implantação de indústrias. Contudo, sem garantir o tratamento do esgoto para essas construções – e as já existentes – não é possível que o Tietê seja despoluído.

Na opinião de Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, a Região Metropolitana de São Paulo é a mais complexa do Projeto Tietê. Somente na capital paulista, são 1,7 mil rios e córregos, sendo a maioria concentrados nas zonas Sul e Norte. Se considerar o Alto Tietê, o número sobe para 7 mil. “É preciso despoluir todos os rios que desembocam no Tietê para garantir que ele fique limpo mesmo”, explica.

Veronesi reconhece que o Projeto Tietê poderia ter avançado mais com os recursos que foram investidos. Ele culpa a falta de política habitacional pelo atraso. “É difícil falar de saneamento para alguém que não tem um teto para se proteger.”

Outro lado

De acordo com a Sabesp, o Projeto Tietê é o maior programa de saneamento do Brasil. Executado desde 1992, realiza investimentos em obras de coleta e tratamento de esgoto na Grande São Paulo. Nesse período, aumentou a coleta de esgoto de 70% para 87%, e o tratamento de esgoto de 24% para 70%.

Ao longo desses anos de trabalho, foram executadas 1,77 milhão de ligações domiciliares de esgoto e foram instalados aproximadamente 4.450 km de coletores-tronco, interceptores e redes coletoras de esgoto, tubulações enterradas com a função de coletar o esgoto gerado e transportá-lo até as estações de tratamento. O volume de esgoto tratado saltou de 4.000 litros por segundo para os atuais 18.700 litros por segundo, o que equivale ao esgoto gerado por aproximadamente 10 milhões de pessoas – contingente semelhante ao da população da Suécia.

A terceira etapa do Projeto, em andamento com 70% das obras concluídas, complementa as ações empreendidas na primeira e segunda etapas, realizadas entre os anos de 1992 e 2010, e possibilitará um novo salto nos níveis de coleta e tratamento de esgoto. Paralelamente, estão também em execução intervenções prioritárias antecipadas da quarta etapa, com foco na otimização dos sistemas e ampliação das áreas atendidas.

A companhia segue avançando com a implantação de tubulações nas regiões mais periféricas e a instalação de megaestruturas, como por exemplo o ITi7, interceptor localizado na Marginal Tietê, a 18 metros de profundidade, com 7,5 km de extensão e 2,6 metros de altura. A partir de 2020, este supertúnel transportará o esgoto de mais de 2 milhões de pessoas para a estação Barueri que, em 2018, teve sua capacidade de tratamento ampliada para 16 mil litros por segundo.

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