Agência Estado
O Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação civil pública contra o Estado diante do que chama de “índices verdadeiramente assustadores” de letalidade policial. A Promotoria de Direitos Humanos pede que a Justiça condene o Estado a adotar 40 medidas visando a reduzir o número de mortos em operações policiais. A Secretaria da Segurança diz que os casos são devidamente investigados.
As mudanças vão desde a instalação de equipamentos GPS e de gravação de áudio em todas as viaturas da Polícia Civil e da Polícia Militar, passando pela gravação em vídeo a partir de câmeras afixadas no colete dos agentes, até a divulgação mais robusta de dados dessas ocorrências, assim como dos resultados dos procedimentos investigativos contra policiais envolvidos nos casos.
A petição de 203 páginas assinada pelos promotores Eduardo Ferreira Valerio, Bruno Orsini Simonetti e pelo analista jurídico Lucas Martins Bergamini lembra também que o cenário de violência também tem vitimado muitos policiais e, para combater essa realidade, pedem que sejam adotadas medidas pelo Estado, como fornecimento de colete balístico para os agentes mesmo em horário de folga, momento em que são mais comumente atacados e mortos por criminosos.
Números
O Estado de São Paulo registrou ao longo do ano de 2017 940 mortes decorrentes de supostos confrontos com forças policiais. O número foi o maior de toda a série histórica da Secretaria da Segurança Pública paulista. Ao longo do ano de 2018, esses registros caíram, mas os dados do primeiro trimestre de 2019 voltaram a apontar alta, com mais de duas mortes por dia.
Em 11 de abril deste ano, policiais mataram 11 pessoas consideradas suspeitas de atacarem agências bancárias em Guararema, na região metropolitana de São Paulo, no que foi uma das ações mais letais da história da Polícia Militar.
Na ação judicial, os promotores apontam o que chama de problema gravíssimo com a polícia brasileira: “ao invés de apenas defender direitos das pessoas, ela também está violando-os; e está aterrorizando-as. Ou matando-as; e morrendo”. Para eles, o modo como os agentes atuam “apresenta traços característicos da polícia autoritária que atuou no regime ditatorial” e que persistiram até os dias de hoje.
O MP aponta que a ação objetiva a condenação do Estado para que adote medidas administrativas que possibilitem a estrita observância dos preceitos constitucionais no emprego legítimo da violência. A apuração dos promotores teve início em 2015 e desde então vinham coletando dados sobre a situação.
Responsabilidade
Os promotores apontam que “o dever da corporação policial é minimizar o risco à vida, não apenas de terceiros, mas também daquele que eventualmente esteja cometendo um delito”. “Isso porque cabe à polícia eliminar a resistência e não a pessoa que resiste, pois esta, mesmo que tenha cometido um ato punível, por óbvio, tem direito à vida e ao devido processo legal.”
Eles dizem ser “intoleráveis” os homicídios policiais perpetrados durante a atividade de patrulhamento, “já que se constitui em mera vingança estatal e, não, em manifestação de justiça”. “São, enfim, simplesmente homicídios.” A morte, ao invés da prisão em flagrante, como resultado da intervenção policial, apontam os promotores, não representa uma polícia eficiente, “a menos que se trate de um Estado autoritário de exceção”.
Assim, o MP pede, primeiro, que sejam atendidos os pedidos declaratórios, objetivando reconhecer que mortes que ocorrem em ações policiais representam a violação de convenções internacionais, da Constituição e que configuram a existência de um “estado de coisas inconstitucional”.
Medidas solicitadas na ação:
– A condenação do Estado a adotar e implantar com efetividade as providências necessárias a eliminar ou reduzir acentuadamente os índices de letalidade policial;
– A condenação do Estado a instalar equipamentos de localização por satélite (GPS), em todas as viaturas;
– A condenação do Estado a instalar equipamentos de escuta e gravação ambiental em todas as viaturas;
– A condenação do Estado a providenciar que sejam realizadas gravações de todas as ações de policiais militares e de policiais civis em vias e logradouros públicos, a partir de câmera fixada no colete dos agentes;
– A condenação do Estado a promover a obrigatoriedade de identificação de todos os policiais civis ou militares em atividade em vias e logradouros públicos, por meio de nome próprio em local visível e em suporte indelével, exceto em hipóteses, devidamente fundamentadas, de realização de operações contra organizações criminosas de notória periculosidade;
– A condenação do Estado a construir e manter página eletrônica, com prazo indeterminado, específica para a divulgação, se expressamente autorizado por familiares, de perfis de vítimas da violência policial que tenham sido mortas quando se achavam desarmadas;
– A condenação do Estado a divulgar na página eletrônica da Secretaria de Segurança Pública, mensalmente, o nome por extenso, o “nome de guerra” e o número de registro de todos os policiais civis ou militares que tenham sido pronunciados por envolvimento em ocorrências das quais tenha resultado morte, apontando-se todas as ocorrências pretéritas da mesma natureza envolvendo o policial;
– A condenação do Estado a disponibilizar todos os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) da Polícia Militar e todos os textos normativos operacionais da Polícia Civil ao Ministério Público Estadual e à Ouvidoria de Polícias, no prazo máximo de 5 dias de sua edição ou atualização;
– A condenação do Estado a elaborar, pelas Academias das Polícias, plano político-pedagógico, destinado à formação de todos os seus quadros, voltado à submissão da atividade policial ao irrestrito respeito aos direitos humanos, à aplicação da lei penal e processual penal e à observância das garantias constitucionais;
– A condenação do Estado a fornecer cotidiana e periodicamente colete à prova de balas, no modelo compatível com o uso sob as vestes, aos policiais civis e militares, para uso fora do exercício da atividade funcional;
– A condenação do Estado a promover o afastamento das atividades de policiamento de rua, repressivo ou investigativo, de todos os policiais militares ou civis que tenham se envolvido em ocorrência da qual tenha resultado morte, pelo tempo necessário à submissão ao tratamento/orientação abaixo mencionado,reservando-se tão somente às funções burocráticas ou administrativas;
– A condenação do Estado a submeter o policial civil ou militar envolvido em ocorrência da qual tenha resultado morte à orientação psicológica e/ou psicoterápica que propicie a recuperação e a avaliação de seu comportamento e de sua condição psicológica para a atividade policial em vias públicas;
– A condenação do Estado a promover atendimento médico e psicológico às pessoas vítimas de violência policial, pelo tempo indicado pela equipe profissional responsável, especializado em traumas de tal natureza (violência policial), dirigidos a pessoas sobreviventes das ocorrências violentas e a familiares de mortos em tais circunstâncias
Mortes são devidamente investigadas, diz Secretaria da Segurança
Em nota, a Secretaria da Segurança disse não ter sido notificada sobre a ação. Acrescentou que, em São Paulo, todas as ocorrências com morte decorrente de intervenção policial são rigorosamente investigadas. “A Resolução SSP 40/2015 garante total eficácia nas investigações, com o comparecimento das Corregedorias e dos Comandantes da região, além de equipe específica do IML e IC e integrantes do MP. Paralelamente à investigação criminal, todas ocorrências são analisadas administrativamente para verificar o cumprimento dos protocolos existentes.”