Agência Estado
Um ano após a inauguração das primeiras unidades habitacionais no Complexo Julio Prestes, a poucos metros da Cracolândia, no Centro de São Paulo, os moradores dos apartamentos construídos por uma parceria público-privada vivem uma rotina sitiada. Separadas por muros e cercas de arame farpado, as 656 famílias das 5 torres, com 17 andares cada, vivem medo constante de caminhar à noite nas ruas vizinhas e são assediadas por usuários de drogas até mesmo quando estão na varanda de casa.
A reportagem apurou que a Secretaria Estadual da Habitação recebeu relatos de arremesso de pedras às janelas dos apartamentos de moradores do complexo. A situação tem feito aumentar as desistências de futuros moradores. A pasta estuda a realização de uma força-tarefa para monitorar a relação entre moradores e usuários de droga.
A analista de departamento pessoal Raquel (nome fictício), de 29 anos, conta que é repreendida por pessoas do chamado “fluxo” (o grupo maior de viciados que caminha pelas ruas) quando, da varanda do 7º andar, mexe no celular. “Alguns ficam revoltados, pedem para a gente entrar. Às vezes, tem uns que estão armados. Vemos tudo lá de cima.” Nem os muros altos conseguem proteger os moradores. “Eles jogam lixo, garrafas, cachimbos e muito lixo por cima do muro. Dia desses, morderam uma criança que mora aqui”, diz Raquel. “Viemos sabendo que este espaço é deles há décadas. Sinto medo, mas já me acostumei. Na verdade, eu não ando para os lados do fluxo, nunca passei para lá.”
Todos os dias, ela sai da faculdade, no Largo de São Bento, às 22 horas. Para evitar surpresas, traçou um caminho seguro para chegar em casa. “Só vou pelas ruas com segurança na porta. Aquelas com comércio que fecha às 18 horas eu não ando.”
A questão da segurança também é um desafio para a assessora parlamentar Larissa D’Alkimin, de 31 anos, que acabou de se mudar com o filho de 5 anos para um apartamento no Complexo. “Ainda preciso descobrir o jeito mais seguro de chegar à noite aqui, já que saio do trabalho quando está escuro.”
A moradora tem esperança de que a situação melhore quando os muros forem derrubados, o que não tem previsão. “A gente sabe que a ideia é abrir os muros. E já ouvi falar que há planos de instalar um supermercado aqui dentro. Vai ser maravilhoso.”
No ano passado, o número de furtos na área do DP de Campos Elísios, onde está a Cracolândia, cresceu 37% em relação a 2017, quando houve a megaoperação do governo e da Prefeitura. No mesmo período, a alta de furtos na Capital ficou em 4%.
Praça
Também entregue há um ano pelo governo estadual, a Praça Julio Prestes continua cercada por um gradil, sem prazo para ser retirado. O local é aberto todos os dias às 8 horas e trancado novamente às 20 horas. Durante o dia, é vigiado por dois seguranças e não costuma ser frequentado pelos novos moradores.
As crianças acabam brincando dentro dos muros do complexo, em uma quadra e nas áreas abertas do terreno. Quando saem do prédio, são levadas pelos pais para ambientes fechados, como o Sesc 24 de maio.
No mesmo terreno do complexo, o governo estadual entregou há um ano 67 lojas, o chamado “boulevard comercial”, mas elas estão fechadas. Segundo a Secretaria de Habitação, não há prazo para a derrubada dos muros que isolam os edifícios das lojas e o complexo como um todo, por questões da segurança no entorno.
“Há uma sequência de ações entre várias secretarias, coordenadas entre Município e Estado, e a nossa busca é por trazer o mais rápido possível a Escola de Música, a creche e outras construções”, afirma o secretário Flavio Amary. “As PPPs farão 3 mil apartamentos no Centro, e essa é a solução. Quando a gente leva moradia, lojas, escola de música e creche, há melhora na região, no convívio e no conceito urbanístico.”
Desde maio do ano passado, foram entregues 1.131 unidades habitacionais da PPP do Centro, sendo 914 delas no complexo. Ao fim do processo, contabilizando toda a PPP do Centro, o governo prevê entregar um total de 3.683 moradias, sendo 2.260 habitações de interesse popular (HIS) e 1.423 habitações de mercado popular.